27 de julho de 2022

O novo momento dos cafés naturais

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O nome “Natural” em muitos casos pode trazer alguns mal-entendidos caso não seja propriamente explicado. Usado para se referir a produtos cuja origem é literalmente natural, como frutas e legumes, também é utilizado nas descrição de produtos que levam menos aditivos químicos na composição.

Porém, no caso do café se trata de outro aspecto: refere-se a um dos passos de seu manejo dentro da porteira, que tem um impacto relevante no resultado final da bebida.

Esse processo, além de ser o mais utilizado formato de pós-colheita dentro do Brasil, também passou por muitas evoluções junto à cadeia inteira e hoje possui diferentes estudos, técnicas e manejos para alcançar um resultado melhor.

Para entender essa evolução, o PDG Brasil entrevistou representantes de duas regiões que têm ganhado destaque pela qualidade de seus cafés: Vale da Grama e Divinolândia.

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colheita catuaí

O que é o processo natural?

Explicando brevemente, o processo natural é um método de secagem do café em seu pós- colheita: o café é levado para os terreiros e é “esticado” sob o sol para que a água de sua lavagem e a água de dentro deles evapore.

A maneira como o café é secado influencia o sabor final na xícara. De forma simplificada e resumida: quanto mais material da fruta você deixa para secar o café, mais sabor pode potencialmente passar. Isso não necessariamente irá ocorrer, mas pode ser um norte a seguir na hora de secar o café.

O processo nomeado de “natural” é aquele em que o café seca no terreiro junto da casca, polpa e semente. Ele é mais demorado e requer mais trabalho para um bom resultado. Dependendo da região do Brasil, a aplicação pode se tornar muito complicada devido a climas mais úmidos entre outros aspectos que também podem enquadrar-se no terroir.

Dentro da América Latina, temos diversos países produtores de café, pois o clima da maior parte dessa região do continente é favorável ao cultivo da planta, e os aspectos geográficos também acrescentam qualidade. 

Porém, dentre os países latinos, o Brasil é o que mais usa o processo natural de secagem. Por isso estudamos e evoluímos nesse processo, nos adequamos, enxergamos as vantagens em termos de sabor e o manejo para dentro e fora da porteira. Hoje colhemos os resultados dessa evolução, as vantagens e podemos compará-lo lado a lado com outros processos.

Valdir Duarte, representante e presidente da Associação do Vale Grama, possui cultivo de café e de abelhas na região. Além de presidir a associação, lidera e coordena inúmeras atividades e organizações de sua região, graças à sua formação em Administração e MBA em Administração Empresarial pela FGV (Fundação Getúlio Vargas).

Ele nos conta sobre esse estudo que está sendo realizado e fala sobre as evoluções que o processo tem passado. Com convicção na qualidade desse processo ele diz: “Olhem os últimos cinco finalistas do COE (Cup of Excellence). Todos eles são cafés naturais”.

café maduro

Evolução evidente

Apesar de ser um método relativamente simples de trabalhar por não exigir maquinário complexo, esse meio de pós-colheita não recebeu atenção de estudos e tecnologia por bastante tempo, quando comparado com outros processos.

Porém, os estudos vieram com temas como fermentação, manejo de terreiro, demonstrações de qualidade por meio de competições, e, então, a qualidade dos cafés naturais começou a ganhar mais atenção. Ainda possui um longo caminho a percorrer, assim como muitos outros aspectos na produção de cafés de qualidade no Brasil.

A secagem natural dos cafés é a técnica pós-colheita número um utilizada no Brasil, mas quais fatores a colocam nesse lugar em nosso país?

Valdir Duarte conta que o processo natural ainda é o mais adotado no Brasil em função de que a maioria das regiões produtoras do Brasil tem um inverno seco, clima propício para fazer um café natural e desprender menos investimentos. “Mas nesse processo ainda temos lição de casa a fazer. O processo natural feito sem critério resulta em redução de potencial de qualidade.”

Portanto, a vontade deve andar junto da responsabilidade: não podemos exigir qualidade e deixar de lado a “lição de casa”.

café natural de qualidade

A APROD (Associação dos Cafeicultores de Montanha de Divinolândia) reuniu alguns associados e Jovane Daniel de Sordi, diretor comercial, será o porta-voz neste artigo. Localizada na Média Mogiana, com certificação Fair Trade e histórico de cafés premiados, a APROD nasceu da vontade de pequenos produtores de fazerem o melhor café possível e conquistar visibilidade para sua região.

Para eles, a evolução do café natural veio não somente para a melhora do sabor dentro da xícara, mas também para processos de boas práticas, manejo de colheita e pós-colheita. 

Dentre dessas melhoras, citaram as implementações para essa evolução:

  • Estudo de maturação dos grãos;
  • Colheita em pano;
  • Colheita seletiva;
  • Terreiro suspenso;
  • Pavimentação de terreiro;
  • Processo de descarte de resíduos;
  • Secadores.

Segundo Daniel, esse método é uma cultura centenária, voltada para pequenos produtores que não possuíam renda o suficiente para investir em máquinas. Tal tradição ficou culturalmente ligada ao Brasil.

Por causa dessa conexão histórica, muitos aspectos da secagem natural foram estudados, entre eles o descanso e a fermentação do café. O café natural tem mais água, precisa de mais tempo de descanso e, por esse mesmo fator, fica mais sujeito à fermentação.

Valdir explica que o café natural precisa de um tempo de armazenamento para estabilizar sua qualidade, um tempo de descanso para ocorrer a distribuição de águas dentro dele. “Demora mais tempo para ficar gostoso, pois logo depois da safra ele tem uma sensação de frescor ainda muito grande.”

Isso traz uma visão de mercado para a comercialização. “Às vezes pode perder oportunidade de mercado, pois o café está muito fresco, não descansou e não está em um bom momento para o mercado e ainda não está no padrão que ele precisa.”

Daniel fala que a APROD que vem trabalhando com estudos de fermentação, conta que “o mercado de cafés fermentados ainda terá um padrão e essa modalidade no café natural ganhará espaço”. “A fermentação terá sua preferência de mercado e contribuirá com essa evolução da visibilidade de qualidade do mercado de cafés naturais.”

Valdir completa dizendo que: “Durante a secagem, a fermentação do café natural acontece de uma forma natural, mesmo não induzindo a esse processo, ela pode acontecer e gerar maior complexidade. Vejo isso como uma das principais vantagens do café natural”.

café natural

Mercado externo

Já é de conhecimento geral que os cafés do Brasil no exterior não têm a visibilidade que gostaríamos. A qualidade que observamos e falamos dentro do nosso mercado nem sempre chega para as grandes empresas e outras instituições com grandes nomes em nossa indústria.

O nosso processo natural é visto com um olhar rudimentar e que tem uma qualidade “boa”, mas que, segundo um senso comum do mercado, “não apresenta notas espetaculares e inusitadas” como outras regiões produtoras são famosas por, como Kenya e Colômbia.

Valdir conta sua visão de mercado em relação ao processo natural. “O mercado internacional ainda nos vê com padrão de cafés Brasil/Santos, cafés bons, porém com baixa complexidade. São usados como base de blends, pois apresentam notas de chocolate, são equilibrados e simples”, explica. 

“Mas, na realidade, sabemos que temos condições e já fizemos excelentes cafés utilizando o processo natural. Precisamos quebrar esse paradigma do mercado internacional.”

Apesar de termos a missão de ganharmos maior visibilidade em questão de qualidade com o processo natural e eventualmente com a visão do café brasileiro de uma maneira geral dentro do mercado, segundo a Daniel, “o café natural é visto com bons olhos, não apenas pelo padrão e qualidade, mas também por ser ecologicamente sustentável já que utiliza um volume muito menor de água em todo o processo]”.

frutos maduros

Vantagens e desvantagens dos cafés naturais

Apesar de ser um método eficiente economicamente, com resultados excelentes, também possui desvantagens e pode perder em alguns fatores em relação a outros métodos de pós-colheita. 

Para trazer luz a alguns desses aspectos, nossos entrevistados separam três listas para o PDG Brasil. Uma de vantagens, outra de desvantagens e uma terceira comparando com outro método chamado de CD (Cereja Descascado).

Vantagens:

  • Maior complexidade sensorial;
  • Menos investimento em infraestrutura ;
  • Maior acessibilidade;
  • Menos impacto ambiental.

Desvantagens: 

  • Maior espaço para secar;
  • Maior tempo para secar;
  • Perda de qualidade com menores altitudes.

Em comparação com cafés cereja descascados:

  • Natural é mais sensível que cereja descascado pela energia gasta na secagem;
  • Natural possui maior acessibilidade do que cereja descascado por exigir menos maquinário;
  • Cereja descascado possui melhor uniformidade de lotes que cafés naturais;
  • Cafés CDs passam por processo de seleção maior do que os naturais.
terreiro suspenso

O processo natural mostrou ganhar força e cenário dentro do mercado de cafés especiais. Com uma evolução orgânica, estudos sobre o processamento natural do café e manutenção da simplicidade do método permitiram que produtores explorassem e produzissem café de qualidade em diversos níveis. 

As competições mostram o resultado de todo esse processo, incluindo a evolução das pesquisas e a aplicação prática, com os produtores buscando mais e mais conhecimento. Os especialistas acreditam que ainda é possível que o método de processamento natural alcance ainda mais aperfeiçoamento, assim como a maior parte do mercado de cafés de qualidade. 

Quem ganha é todo o mercado, dos produtores aos consumidores, que podem ter acesso a uma diversidade cada vez maior de excelentes xícaras. 

Créditos: Arquivo Victor Kenzo (close em fruto maduro no pé); Divulgação APROD (embarque de café para exportação; frutos maduros nos balaios; produtores observam café no terreiro suspenso); Divulgação Associação do Vale da Grama (Valdir Duarte mostra os frutos em colheita seletiva; frutos maduros no pé no Sítio Santa Rosa).

PDG Brasil

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