15 de setembro de 2022

Desvendando os grãos moca

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Estima-se que cerca de 5–15% de uma colheita de grãos ainda não selecionados contenha mocas. Nesta safra no Brasil, há uma expectativa de um volume ainda maior. Mutação genética, nutrição do terreno, irrigação, dificuldades da árvore de café quanto à nutrição em ambientes não florestais – o habitat natural da planta do café… afinal, qual seria o veredicto da ciência quanto às razões pelas quais se formam o grão moca/peaberry?

Neste artigo o PDG Brasil também explora as particularidades do grão moca em relação às boas práticas de cultivo para diminuir a incidência na plantação, e explica a valorização e precificação dos grãos nos mercados commodity e de venda direta (cafés especiais).  

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grãos moca

O que são os grãos moca?

Os grãos chamados de moca, moquinhas ou grãos ‘mocados’, (um jargão usado pelo mercado de exportação), como são conhecidos no Brasil, se desenvolvem quando apenas um óvulo maduro se desenvolve no fruto (seriam dois), formando apenas uma semente. O espaço em que caberiam duas sementes na cereja do café fica preenchido por uma só, que ocupa todo o espaço.

Os grãos moca são ovais, pequenos, arredondados e com uma fenda profunda, e requerem um perfil de torra particular, já que são menores do que os demais, e possuem uma quantidade maior de açúcares naturais. Apesar de suas particularidades, os grãos moca quando plantados, geram uma planta com um embrião normal.

Grãos moca podem fazer parte de qualquer lote de café produzido em um país produtor, mas são geralmente encontrados em países como Tanzânia, Quênia, Peru e Havaí e Brasil. No exterior, esse tipo de classificação de grão café chama-se ‘peaberry’, e em países latinos, ‘caracolillo’ ou ‘caracol’. 

peaberry

Espécies de café e incidência de moca

Grãos moca se desenvolvem nas duas espécies de café comercializadas em grande escala, o Coffea arabica e o Coffea canephora (robusta). “A incidência de grãos do tipo moca em cultivares de canéfora é bem maior que a observada no arábica”, diz Oliveiro Guerreiro Filho, pesquisador sênior do IAC (Instituto Agrônomo de Campinas, do Centro de Café “Alcides Carvalho”), especialista em recursos genéticos e melhoramento do cafeeiro.

A arábica é uma planta autógama e autocompatível, ou seja, os grãos de pólen das flores de uma planta podem fertilizar óvulos de flores da mesma planta, o que gera a autofecundação. Oliveiro explica que já a espécie c.canephora é alógama e auto incompatível, dotada de sistema genético que impede a autofecundação das flores e exige a ocorrência de cruzamentos entre cafeeiros geneticamente distintos. “Esse fenômeno – quanto às canéforas – contribui com a maior incidência de grãos do tipo moca em relação ao café arábica.  

peneira classificação do café

Os grãos moca e a classificação do mercado

Os grãos moca, tanto no Brasil quanto no meio cafeeiro internacional, são selecionados durante o pós-processamento dos grãos, durante a fase final do beneficiamento.

Os frutos são lavados, descascados, desmucilados, e as sementes secadas à sombra até atingirem umidade apropriada. Em seguida, é retirado o endocarpo que encobre os grãos, que então são submetidos à medição por meio do sistema de peneiras. É nesse momento em que os grãos moca são separados.

Quanto ao formato, as regras da qualificação ditam que os grãos são apontados como chatos ou moca. “Os grãos chatos possuem superfície dorsal convexa e a ventral plana ou ligeiramente côncava, com a ranhura central no sentido longitudinal; já os grãos tipo moca são constituídos de grãos com formato ovóide, também com ranhura central no sentido longitudinal”, segundo o estudo “Efeito da irrigação sobre a classificação do café”, de Custódio, Gomes e Lima.

A classificação oficial dos grãos moca no Brasil é realizada por meio do sistema de peneiras (granulometria) ditado pelas regras da Tabela Oficial para Classificação de café da COB (Classificação Oficial Brasileira), do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.

A classificação por peneiras do moca pode equivaler a três diferentes numerações para classificar as dimensões dos grãos: moca graúdo, moca médio e moca miúdo, com peneiras de números 09, 10 e 11. 

Leia o artigo do PDG Brasil sobre a classificação de café por meio do sistema de peneiras para saber mais.

grãos moca

Qualidade e valor de mercado dos grãos moca

André Peres, que tem mais de 30 anos de experiência no mercado de compra e venda de café, revela que o fator gerador de grãos moca é comumente associado à loteria genética das plantas. Entretanto, na prática, ele diz que a experiência de campo lhe mostrou que esse nem sempre é o caso. 

“O terroir é um ambiente vivo, influenciado por inúmeros fatores, principalmente climáticos, e é natural e esperado que grãos moca apareçam nas colheitas”, explica o especialista em trade na empresa de comércio exterior de café ACS (Associação Comercial de Santos).

Segundo informações da Fundação Procafé, o braço de pesquisa científica da Embrapa Café, quando se trata da seleção e liberação de cultivares nos cafeeiros arábica considera-se normal a incidência de 10% a no máximo 15% quanto aos grãos de moca nas plantas de café.

Os grãos moca, mesmo quando cultivados sem cuidados correspondentes a critérios de alta qualidade, não afetam significativamente a qualidade final em comparação com outros grãos, segundo um estudo realizado no Jornal Asiático de Ciência das Plantas. “Efeito da ervilha na qualidade do café”. 

Entretanto, também de acordo com os pesquisadores, a presença excessiva de mocas pode não comprometer o resultado na xícara, porém pode influenciar negativamente a classificação geral quanto à precificação dos lotes, assim como os níveis de rendimento e lucro.

Existem três razões para os mocas influenciarem a classificação dos lotes:

1 – A qualidade final da bebida é comprometida

Devido à torra desuniforme que se dá quando há misturas de grãos de diferentes tamanhos, pois os menores torram rapidamente e queimam. 

2 – Rendimento baixo

De acordo com a historiadora e cientista agrônoma especializada em café, dra. Paula T. Santini, os grãos de moca pesam cerca de 9% a menos que os grãos chatos. Portanto, se houver alta incidência de grãos na safra, o volume de rendimento será menor para o cafeicultor.

3 – O lote é desvalorizado na precificação

O padrão do mercado é uma tolerância de aproximadamente 10% de grãos mocas em lotes classificados como grãos chatos. Quanto à comercialização de sementes, o índice de grãos-moca não pode ser superior a 12%. Caso haja um índice maior, há a desvalorização.

“Há compradores – principalmente os internacionais – que exigem menor número de mocas em lotes normais do que em outros mercados, por volta dos 10% ou menos. No Brasil, na prática, normalmente se aceitam de 12% a 15% de mocas”, diz André. 

café moca

Fatores para a ocorrência do moca 

Paula explica que, “se o índice de mocas for superior a 12%, é um claro indicativo de que fatores climáticos ou de nutrição inferior estejam interferindo negativamente no ciclo fenológico do cafezal, além dos possíveis problemas genéticos que prejudicam a fecundação correta”. 

Se as plantas sofreram estresse hídrico durante a formação dos frutos e no florescimento, um maior número de mocas é o resultado que se vê na colheita. “Causas de natureza ambiental, como o déficit hídrico ou a incidência de altas temperaturas, especialmente no período que sucede a florada, podem contribuir sobremaneira com o aumento da incidência de grãos do tipo moca. A razão é simples: a ausência de fertilização ou o aborto após a fertilização de um dos óvulos”, explica Oliveiro.

É majoritariamente aceito pela comunidade científica que são três os principais fatores da ocorrência de grãos moca: 

  1. Falha nos ovários da planta a fertilizada e gerar a semente; 
  2. Falha no desenvolvimento posterior do endosperma; 
  3. Incompatibilidade dos dois genitores (pais) durante a polinização das plantas.

“Entre as causas genéticas mais comuns, encontra-se a compatibilidade, mais comum em populações de cafeeiros em seleção, especialmente àquelas derivadas de hibridações interespecíficas, ou seja, entre espécies distintas”, explica Oliveiro Guerreiro Filho.

Segundo Oliveiro, a taxa de frutificação (pegamento) e o índice de fertilidade em cultivares comerciais de café arábica é bastante alta, de modo que a incidência de grãos do tipo moca é bastante baixa. 

Entretanto, o corpo da agrociência tem explorado mais profundamente as variáveis de nutrição, irrigação, terroir, polinização, mudança climática e sistemas de cultura que,  associados a esses três fatores genéticos, catalisam a produção de grãos mocas. 

Além da possibilidade de alterações climáticas fortuitas, Paula alerta para o controle dos índices de umidade na época da florada. “Em regiões de cultivo onde a média de temperatura é mais alta, os cafeeiros são submetidos com mais intensidade à luz do sol na face soalheira, o que aumenta a chance de se formarem grãos moca caso não haja controle hídrico satisfatório.”  

De acordo com Paula, os grãos moca normalmente se desenvolvem na ponta dos ramos do cafeeiro, e em menor incidência entre a base e o meio dos ramos. O que explicaria esta realidade é o fator da nutrição da planta, que por alguma razão não recebe o fluxo necessário de água e alimentos da base ao topo. 

peaberry

Monocultura e grãos moca

A existência de grãos moca nas plantações de café cultivados em sistemas agroflorestais (Safs), quando a plantação é feita junto a ambientes florestais, onde há a presença de árvores, arbustos e palmeiras de inúmeras espécies, é consideravelmente menor do que em cafezais de monocultura, sistema adotado pela maioria dos cafeicultores do Brasil. 

As características de terroir de uma área de cultivo onde há uma população variada de plantas nativas e de multiculturas no mesmo ambiente beneficia a agricultura do café, por ser o sistema onde a planta se desenvolve naturalmente. 

Quando o café é cultivado em sistema de monocultura, as plantas são expostas ao sol com maior intensidade, o que gera dificuldades quanto à nutrição e irrigação corretas da planta como se daria em seu habitat natural.

Além disso, na monocultura de café se emprega uma mistura menor de variedades e cultivares pré-estabelecidas nos talhões, portanto gerando maiores possibilidades de anomalias pela baixa compatibilidade genética no cruzamento entre as plantas. Quando as plantas do café são cultivadas em sistemas arborizados de cultivo e variedades têm características genéticas similares para prosperarem naquele ambiente, há uma menor ocorrência de mocas. 

Mas por que isso acontece? A polinização controlada de abelhas influencia positivamente quanto à prevenção de anomalias genéticas em geral, e reduz a frequência de mocas. Quando há maior diversidade de polinizadores em sistemas florestais de cultivo, é comprovadamente maior o número de cerejas, assim como a qualidade dos frutos é superior.
“Como os insetos são os mais importantes agentes de polinização das flores do cafeeiro, a redução da população dos mesmos, especialmente abelhas, também podem contribuir para o aumento da incidência de grãos moca”, diz Oliveiro.

classificação de café peneira

O grão moca e os cafés especiais

Torradores de cafés especiais comercializam o café moca com preços mais altos, por conta de serem raros e requererem mão-de-obra mais laboriosa quanto à seleção, o que equivale a custos mais altos. O perfil de xícara dos cafés moca cultivados e processados para obter a melhor qualidade possível é visto pelo mercado de especialidade como um produto muito valorizado. 

Quanto ao perfil sensorial e de sabor, em geral os grãos moca apresentam aromas e sabores doces, com notas de chocolate e caramelo (pela concentração maior de açúcares). “Acredita-se que a bebida é mais encorpada e adocicada do que os grãos regulares, o que não é regra”, conta André. 

A razão pela qual os grãos de moca são mais caros é muito simples: como a ocorrência deles é baixa, até criar-se uma saca única de mocas são necessárias horas e horas de filtragem pela peneira. Esse trabalho ou é feito pelos produtores ou pelos torrefadores, que montam um blend de mocas usando cafés da mesma origem em lotes.

Pequenas torrefações normalmente não se dão ao trabalho de conduzir essa separação, pois há pouca mão de obra e o rendimento financeiro não compensaria as horas de trabalho.

café grão moca

Muito se questiona, talvez porque pouco se saiba, sobre o que realmente são e como o mercado cafeeiro lida, na prática, com as incidências dos mocas.

E embora sejam grãos em geral desvalorizados no mercado em geral, no mercado de cafés especiais há uma valorização (e até um carinho) por cafés feitos apenas com esses grãos. O diferencial de sabor, com doçura intensa e caramelo, é bastante apreciado.  

Como sempre, quando se trata de culturas e agronomias, é sempre a ciência que detém as respostas. Os grãos moca, portanto, são fenômenos naturais e esperados, cuja ocorrência é dependente das condições do cultivo do café. Simples assim.

Crédito: Pixabay, Wolthers Associados, Reprodução site do Mundo do Café (mundodocafe.com.br) _ no still do grão moca, Embrapa Café e Eliei Rodrigues (montagem). 

PDG Brasil

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