6 de julho de 2022

Canéforas Paulistas são nova aposta do oeste de SP

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O Oeste do estado de São Paulo, que no passado abrigava cafezais com plantações de café arábica, voltou a ser uma região cafeeira ativa. A região agora produz cafés da espécie Coffea canephora, graças a um projeto de implementação e viabilização do plantio iniciado em 2007, com o objetivo de prover uma alternativa ao pequeno produtor rural para manter a agricultura cafeeira viável.

Em 2021, se deu a primeira colheita dos cafés oriundos do projeto “Canéforas Paulistas”, com números de produtividade animadores, próximos aos níveis alcançados pelas lavouras do Espírito Santo, o estado líder em produção de canéfora no país. 

“O que nos levou à escolha de produzir o café robusta foi justamente a similaridade de zoneamento das regiões produtoras do Espírito Santo  com a região oeste de São Paulo”, conta Fernando Takayuki Nakayama, pesquisador científico da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (APTA). 

O PDG Brasil conversou com Fernando e com Júlio César Mistro, especialista em melhoramento genético de café e um dos pesquisadores do IAC (Instituto Agronômico de Campinas) envolvidos no projeto, para narrar a história e o panorama atual do projeto “Canéforas Paulistas”. 

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canéforas de SP

A história do cultivo de café no Oeste Paulista

O Vale do Paraíba do Rio de Janeiro concentrou por muito tempo a produção cafeeira do Brasil. Com o sucesso da produção e comercialização na região, o cultivo se expandiu para o estado de São Paulo, o que inclui o Oeste Paulista, a partir de 1866, quando o Brasil ainda era um estado monárquico.

O ciclo do café em São Paulo começou a ganhar pulso quando os fazendeiros adotaram o cultivo em substituição às lavouras de cana-de-açúcar. A cana em escala internacional passou a ser desvalorizada comercialmente. 

Os fatores fundamentais para tal se deram pelo aumento de produção em países da América Central, além da baixa disponibilidade de território para ampliar o plantio da cana-de-açúcar, uma cultura semi-perene, ou seja, cujo ciclo produtivo é de baixa duração. As plantas morrem depois de um ou dois cultivos por ano, quando o solo perde o índice de fertilidade pela erosão, e, no intervalo entre os plantios, a terra deve ser trabalhada para viabilizar outro ciclo, o que pode levar anos.

A centralização da produção de café arábica em São Paulo, além de Minas Gerais, catapultou o Brasil ao posto de líder de exportações internacionais do produto, e alterou o centro econômico do país para o estado de São Paulo. 

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A crise econômica dos Estados Unidos (que era, e é até hoje, o maior comprador do café brasileiro), gerada pela quebra da bolsa na década de 1930, gerou uma grave desvalorização do preço do café brasileiro, a ponto de o governo decidir queimar sacas para estabilizar o valor de oferta e demanda quanto ao mercado global.

Enquanto a cultura do arábica em São Paulo e Minas Gerais sobreviveu à crise e seguiu uma curva próspera desde então, a zona do oeste paulista, em desvantagens quanto ao solo e incidência de pragas e geadas, entrou em um processo de gradual redução da maioria das plantações de c.arabica. 

Ainda há a cultura do arábica na região, mas o volume é considerado insignificante em comparação a outras origens produtoras de São Paulo. 

canephoras sp

O estado de São Paulo e o cultivo de arábica

A espécie de café majoritariamente cultivada no estado de São Paulo é a Coffea arabica (café arábica), entretanto, no oeste do Estado, há limitações edafoclimáticas (clima + solo) para tal.

As condições necessárias para a prosperidade das plantações de arábica demandam temperaturas baixas, altitude, clima fresco e de sub-bosque. A região oeste do estado de SP (Nova Alta Paulista, Noroeste e Araraquarense), ao contrário das regiões cafeeiras do estado, atualmente líderes em produção, apresenta características climáticas e de terroir opostas. 

“A variedade arábica se adaptou de forma forçada no oeste paulista, onde há zonas de temperaturas muito quentes, sobretudo na região próxima ao Mato Grosso do Sul”, explica Fernando. Antes do início do projeto “Canéforas Paulistas”, registrava-se um baixo índice de rendimento nos cafezais de arábica na região oeste, com custos médios elevados de manutenção da lavoura, que somam os valores dos insumos e custos gerais operacionais. 

“Uma vez que as lavouras de arábica são prejudicadas por temperaturas excessivamente elevadas e períodos de estiagem, uma alternativa para o oeste paulista seria a introdução, de forma gradual e embasada em ensaios, do café robusta (Coffea canephora), que tolera temperaturas mais elevadas, infestação por nematóides e resiste à ferrugem”, concluíram os pesquisadores responsáveis pelo estudo “Caracterização da produção de Coffea arabica e possibilidade de cultivo de Coffea canephora na região oeste do estado de São Paulo”, publicado pelo Instituto de Economia Agrícola (IEA) em 2006. 

“As condições climáticas e edáficas da região e da altitude mediana ideal, com variações de 400 a 450 m, e o clima seco propício para a colheita, previne a deterioração dos grãos no terreiro”, explica Fernando. 

Segundo os resultados da pesquisa comparativa do estudo quanto ao custo médio da condução do cultivo das duas espécies, produzir arábica na região custava o dobro em comparação ao robusta.

“Havia uma estrutura fundiária remanescente adequada para o plantio no oeste paulista. Nos últimos 40 anos, muitas propriedades de cultura familiar da região acabaram ficando menores devido às divisões de território entre novas gerações. O café é uma cultura que agrega valor em áreas menores – mais do que cana-de-açúcar, soja e pecuária, que demandam áreas de exploração maiores”, explica Fernando. 

“Além disso, o retorno do plantio de café no oeste paulista vem ao encontro da tradição cafeeira da região. Já havia muitas propriedades com terreiro, tulha e estrutura geral para a cafeicultura herdada da época dos colonos estrangeiros, como italianos, japoneses e russos.”

Em 2007, o projeto de viabilização da possível introdução da cultura de café robusta, passou a tomar forma, por iniciativa do Centro de Café do IAC (Instituto Agronômico de Campinas), juntamente com a APTA Regional de Adamantina e a CATI de Lins com o apoio financeiro do Consórcio Café (parte do Embrapa Café, do Ministério da Agricultura e Pecuária), iniciativas privadas e a mobilização de pequenos produtore e universidades.

canéfora paulista

O caminho do cultivo de canéfora no oeste paulista

Segundo Júlio, dois pilares estratégicos formaram a primeira fase do projeto: 

1 – O desenvolvimento de cultivares de café robusta por meio do melhoramento genético, com ciclos de seleção até identificar a planta elite para ser a cultivar base; 

2 – A identificação de cultivares de café robusta utilizadas no estado do Espírito Santo adaptáveis às condições edafoclimáticas das regiões do Oeste e Centro-Oeste paulista. 

Em 2008, foram selecionadas zonas agrícolas nos municípios de Adamantina, Pacaembu (Alta Paulista), Lins e Getulina (Noroeste Paulista) como áreas experimentais de cultivo, sob a orientação do IAC, condução técnica pela CATI e instalação de experimentos pela APTA Alta Paulista. Atualmente, há 16 municípios participantes como áreas-piloto do projeto no estado de São Paulo.

“Os resultados e a tecnologia a ser desenvolvida na cultura do café demandam um longo prazo, mas no caso específico do robusta calculamos que poderia levar até 20 anos de pesquisas”, explica Júlio. 

Quanto à segunda estratégia, a das pesquisas genéticas de viabilização das cultivares, o prazo projetado era curto, em torno de 10 anos, caso as condições climáticas não interferissem de forma significativa. Em 2011, 2012 e em 2020 e 2021, as geadas que atingiram a região atrapalharam o andamento das pesquisas.

Dos 30 materiais genéticos clonais indicados pelo INCAPER e IAC trazidos do ES, contidos em sete cultivares, nove se adaptaram às condições edafoclimáticas, e estão em fase de expansão de cultivo. “Cada ciclo seletivo leva no mínimo seis anos, pressupondo a não-ocorrência de seca e/ou frio muito intenso, e o processo demanda de entre três a quatro ciclos seletivos de acordo com os critérios do melhorista de plantas responsável”, diz. 

O IAC conta com um banco extenso de germoplasma de café robusta, com material genético de plantas tanto de origem primária quanto secundária, o que aumenta a variabilidade genética e potencializa a seleção dos clones.

Fernando conta que uma parte importante para o sucesso do projeto foram as ações de difusão de tecnologia, técnicas agrícolas e treinamentos em “dias de campo” com os produtores, em parceria com cooperativas e alguns governos municipais locais – como o de Tupi, que patrocinou a compra de mudas para a região. 

Entretanto, ressalta Júlio, o apoio das políticas públicas ao projeto ainda não é efetivo para alavancar o cultivo do café robusta no estado paulista, especialmente no financiamento de pesquisa na extensão rural. Incentivos como crédito rural, juros baixos para o plantio, aquisição de mudas, manejo da lavoura, entre outras iniciativas, só são disponibilizados depois da primeira produção. “Não adianta viabilizar cientificamente uma cultivar altamente produtiva se não há capital de investimento entre os pequenos produtores”, acredita. 

“O que temos de concreto atualmente e nos últimos anos é o auxílio financeiro do Consórcio Café, do CNPq (apenas três anos) e de pequenos produtores, que cedem áreas em suas propriedades bem como todo o manejo experimental.”

canéforas sp

O momento atual 

O resultado da colheita de 2021 gerou em média 60 a 80 sacas por hectare, com números produtivos equiparáveis aos do Espírito Santo. “A medição de qualidade da bebida com a prova da xícara apontou resultados muito positivos”, explica Júlio. “Se o projeto ganhar força daqui para frente, o próximo passo é ser uma região de origem brasileira reconhecida quanto à produção de Coffea canephora.”

“Quando do início do projeto das canéforas paulistas, a qualidade, e não o volume, foi preconizada”, diz Fernando. Quanto ao interesse comercial, Júlio diz que já há demanda, “tendo em vista que há várias indústrias do café solúvel e do torrado/moído em São Paulo, e no norte do Paraná, que utilizam essa espécie como matéria-prima.” A proximidade geográfica dessas indústrias à região é um atrativo aos compradores, pois reduz os custos de transporte, tempo de entrega e de impostos interestaduais, além da emissão de carbono.

canéforas paulistas

A instauração bem-sucedida do plantio de robustas no oeste paulista reflete o compromisso do corpo acadêmico de Ciências Agrárias com a cafeicultura no país, e, o mais importante, provoca um questionamento ao quão atualizados são os paradigmas associados aos territórios de plantação de café no Brasil. 

O projeto “Canéforas Paulistas”, assim como o antecessor “Robustas Amazônicos”, revela o potencial de expansão do segmento quando se dá a combinação de ciência, tecnologia avançada e união entre as comunidades dos setores cafeeiros.

Créditos: Theodor Preising/Acervo Museu do Café de Santos (trabalhadores na década de 1930); Acervo Júlio Mistro (canéfora na paneira/destaque; plantações de canéfora; trabalhador no cafezal da zona de Parapuã na fazenda São José, no oeste paulista).

PDG Brasil

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