28 de novembro de 2022

Como o El Niño afeta a produção de café?

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Sabemos que as principais áreas de cultivo de café ao redor do Globo Terrestre se encontram numa faixa chamada de “Cinturão dos Grãos”, localizada entre os trópicos de Câncer e Capricórnio.

Apesar de apresentar as condições ideais para a produção de café, nesta área também há registros frequentes de padrões climáticos incomuns como ciclones e furacões. E um dos fenômenos mais importantes é conhecido como El Niño.

Trata-se de um fenômeno complexo, causado por variações nas temperaturas oceânicas no Pacífico equatorial, cujos efeitos são mais sentidos com maior intensidade na América Latina.Ali as temperaturas e o regime de chuvas são bastante afetados, trazendo consequências à cadeia produtiva do café.

Para saber mais sobre o El Niño, conversei com alguns especialistas da indústria regional. Eles me contaram mais sobre o que é e como pode afetar a produção de café na América Latina. Continue a ler para saber mais.

Você também pode gostar do nosso artigo sobre como  os produtores de café podem se preparar para um clima inesperado.

Mulher, de perfil, em meio à pés de café, analisando os frutos em um deles

O que é o El Niño

El Niño (O Menino, em espanhol) é um fenômeno climático que a cada intervalo entre dois ou sete anos e tem duração que varia de dois meses a dois anos, dentro dessa janela.

De uma forma bastante simplificada, ele pode ser descrito como o aumento da temperatura de uma faixa de água do oceano no Pacífico central e oriental – incluindo a costa do Pacífico da América do Sul.

Ele é ainda uma fase de um fenômeno climático mais amplo conhecido como El Niño-Oscilação Sul (ENSO), um período de padrões de vento variados e temperaturas irregulares da superfície do mar no Oceano Pacífico, que foi observado pela última vez entre 2018 e 2019.

O El Niño faz com que uma área de águas superficiais quentes surja nas áreas central e oriental do oceano, criando uma “faixa” ao longo da costa da América do Sul e Central. Isso traz como consequências temperaturas mais altas e aumento nas possibilidades de ocorrência de tempestades.

Curiosamente, o El Niño tem um efeito diferente no sudeste da Ásia, na Oceania e no sul da China. Embora essas regiões também possam experimentar um aumento nas temperaturas, esse aumento é acompanhado por longos períodos de seca.

Esse fenômeno normalmente cria condições secas e quentes na América Central, norte do Brasil e Colômbia. No entanto, durante a primavera e o verão também faz com que o sul do Brasil, o norte da Argentina e o Chile recebam mais chuvas do que o normal.

A fase fria do ENSO, quando as temperaturas da superfície da água no Pacífico oriental são mais frias do que o normal, é conhecida como La Niña (a menina). Tanto o El Niño quanto o La Niña influenciam direta ou indiretamente os padrões climáticos em todo o mundo.

Homem com boné, de costas, olhando para a lavoura de café

Como o El Niño afeta a produção de café

O clima desempenha um papel vital em todos os aspectos da produção de café, dado que tanto a temperatura quanto as chuvas têm grande influência no rendimento dos cafeeiros e na qualidade dos seus frutos.

O impacto causado pelo El Niño depende da intensidade das condições que ele traz. Embora os meteorologistas sejam capazes de prever a incidência do fenômeno com algum grau de precisão, seus efeitos  geralmente são sentidos apenas depois que o café é colhido e processado.

Nos casos em que o El Niño causa temperaturas mais altas e chuvas reduzidas, as fazendas que costumam ter pouco sol e chuvas intensas costumam ter um aumento na produção. No entanto, fazendas em altitudes mais baixas com solos de baixa retenção de umidade podem experimentar o desenvolvimento de árvores atrofiadas e, como resultado, rendimentos mais baixos.

Ana Lucrecia Glaesel Coloma é Coordenadora de Marketing e Comunicação da Anacafe. Ela me disse que o El Niño pode ser surpreendentemente benéfico para certas regiões.

“Em muitas áreas de cultivo de café na Guatemala, em um ano normal, chove entre 3.000 e 5.000 mm por ano. Com o El Niño, esse volume pode cair para cerca de 2.000 mm e com isso temos melhores rendimentos e mais intensidade de sabores”, diz ela.

Maria Alejandra Olana trabalha em Vendas de Cafés Especiais na Federação Colombiana de Cafeicultores (FNC). Ela diz que embora o El Niño possa ser benéfico para a produção de café, também pode ter efeitos negativos devastadores em algumas áreas.

“Quando o El Niño traz condições muito secas, isso afeta negativamente o crescimento”, ela afirma. “Isso pode causar um desenvolvimento incorreto de todo o cafeeiro, levando a uma produção menor de cerejas.” O tempo seco também pode significar mais insetos, expondo as plantações a pragas como a broca.

A seca é menos problemática em regiões com solo com boa retenção de água, como em certas partes da Colômbia. No entanto, em regiões que o solo é “mais seco” (como México e partes do norte do Equador, Colômbia e Peru), longos períodos sem chuva podem resultar em rendimentos muito baixos.

E assim como a falta de chuvas é um problema, o excesso também pode ser problemático. No Brasil, por exemplo, o El Niño pode causar chuvas excessivas e com isso sobrecarregar a capacidade de retenção de água do solo, inundando as plantações de café e, potencialmente, causando uma floração irregular.

Isso, por sua vez, significa que as cerejas de café não amadurecem uniformemente – o que geralmente está associado a lotes de qualidade inferior.

Close-up em um ramo de um cafeeiro, com frutos verdes e ferrugem nas folhas

Mudanças climáticas e o El Niño

As mudanças climáticas complicaram ainda mais o ENSO – um padrão climático já irregular. Isso pode causar dificuldades para os produtores que procuram planejar e projetar seus níveis de produção.

As fases recentes do El Niño têm sido irregulares, mas não há consenso sobre se a mudança climática é melhor ou pior para os ciclos ENSO. No entanto, em algumas regiões, o El Niño pode acentuar os efeitos das mudanças climáticas que já são vivenciados atualmente.

Marianella Baez Jost, sócia do Farmers Project e proprietária do Finca Cafe Con Amor na Costa Rica, conta que as mudanças climáticas em geral significam que os cafeicultores precisam colher prematuramente, o que leva a interrupções subsequentes no plantio, poda e colheita.

Ela acrescenta: “Com a mudança climática já causando um aumento na temperatura, os aumentos adicionais de temperatura do El Niño levaram a ferrugem do café a encontrar condições para se instalar nos cafeeiros de altitudes onde normalmente ela não seria um problema”.

Por outro lado, um aumento nas temperaturas também pode permitir que os cafeicultores se mudem para áreas que antes eram inadequadas para a produção de café.

Mudas de café plantadas

Como o El Niño afeta o preço C

Em todo o mundo, a renda dos cafeicultores está vinculada ao preço C, que é bastante volátil dependendo de certos fatores. O El Niño, com seus padrões climáticos imprevisíveis, é um deles.

Ao afetar indiretamente a produtividade da colheita, o El Niño influencia a demanda e a confiança do mercado – o que afeta diretamente os produtores, segundo Maria. “Durante um forte e severo El Niño, os cafés disponíveis são escassos e podem ser de qualidade inferior impactando o preço pago aos produtores”.

Ana concorda, citando o impacto direto no preço de mercado quando o fenômeno atinge grandes produtores de café como o Brasil. “isso repercute no preço global devido à incerteza que gera nos compradores”, explica.

Como se preparar para o El Niño

Reduzir o impacto de padrões climáticos complexos como o El Niño pode ser crucial para os produtores. No entanto, por meio de um gerenciamento cuidadoso da fazenda e da planta, os efeitos adversos desses fenômenos podem ser gerenciados com eficácia.

“As principais recomendações são uso de café à sombra, análise de solo, aplicação de fertilizantes balanceados, incorporação de matéria orgânica, construção de curvas de nível e terraços), evitar o controle químico de ervas daninhas, permissão da presença de cobertura do solo e captação de água da chuva”, afirma Ana.

“Quando se trata de café processado em via úmida, os registros de garantia e o constante monitoramento da qualidade, além da dinâmica da secagem ao sol, a avaliação da umidade relativa do ar e da temperatura do armazém são fatores a ser considerados durante o El Niño.”

Marianella também enfatiza a importância dos testes anuais de solo. Ela diz que isso permite aos produtores o ajuste no manejo de nutrientes e o acompanhamento das deficiências que podem se tornar mais proeminentes durante padrões climáticos irregulares.

Ela também concorda que a sombra é vital. “Quando esperamos seca e menos chuvas, especialmente durante o El Niño, o sombreamento nos ajuda a manter a umidade. Isso significa que as plantas de café podem permanecer frescas e sem queimaduras de sol.”

Pesquisar e implementar sistemas de irrigação pode garantir que suas plantas de café obtenham a quantidade necessária de água durante as secas. Em certas áreas afetadas, também pode valer a pena procurar soluções para o manejo de pragas, bem como evitar o plantio de variedades mais suscetíveis a doenças.

Grãos de café secando num terreiro coberto

Os efeitos do El Niño são complexos e é muito difícil rotulá-los como negativos ou positivos, já que o impacto exato varia amplamente de região para região. Em algumas áreas, a produção de café se beneficia com o aumento das chuvas, enquanto em outras, a seca que ela causa pode prejudicar a qualidade e a produtividade do café.

Com planejamento e práticas agrícolas corretas, pode-se prever o que o El Niño pode trazer como consequências. Isso permite aos produtores explorar os efeitos benéficos do fenômeno ou minimizar quaisquer impactos negativos.

Gostou? Então leia nosso guia para  secagem de café.

Créditos das fotos: Finca Cafe Con Amor, Farmers Project

Tradução: Daniela Andrade.

PDG Brasil

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