13 de outubro de 2022

Entendendo a colheita tardia de café na Chapada Diamantina

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A colheita do café no Brasil costuma ocorrer entre os meses de abril a agosto. Em geral, temos mais de 90% da safra colhida até agosto. Mas e a safra restante?  

A resposta é o que buscamos com esse artigo do PDG Brasil, entrevistando produtores de referência na Chapada Diamantina para fecharmos uma melhor compreensão da colheita tardia, também conhecida como colheita fora de época que pode durar até o mês de outubro na região.

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O que ocasiona a colheita tardia na Chapada?

Iniciamos as conversas com um dos ícones da cultura cafeeira de excelência no Brasil, o produtor Antônio Rigno do Café Rigno, o único tricampeão no mundo (2009, 2014 e 2015) do Concurso Cup of Excellence, promovido pela BSCA (Associação Brasileira de Cafés Especiais). 

Em 2002, o proprietário das Fazendas São Judas Tadeu e Ouro Verde em Piatã (BA) iniciou sua produção de cafés especiais, buscando dar mais visibilidade ao seu café com a participação em concursos, o que daria naturalmente um maior retorno financeiro. E assim aconteceu quando o Café Rigno foi premiado como o melhor café baiano em 2003, 2004 e 2005 pela ASSOCAFÉ Bahia (Associação dos Produtores de Café da Bahia).

Os 80 hectares de produção das variedades catuaí (vermelho e amarelo) e bourbon entregam uma xícara com nuances de rapadura, capim-limão e frutas vermelhas. 

Além da produção premiada, na própria fazenda, há uma cafeteria chamada Recanto do Café, onde Dona Terezinha, esposa de Antônio, prepara um delicioso café colonial.

Um dos fatores que proporcionam ao café tamanha qualidade é a colheita tardia. Rigno nos explica que, entre os meses de outubro a junho do ano seguinte, o clima é frio e seco na região, o que entardece a maturação. Somada a isso, uma secagem mais lenta tende a conservar mais os atributos do café. E, com isso, alcançam os prêmios e o reconhecimento do mercado e dos consumidores. “Sou um produtor realizado!”, diz. 

Vantagens da colheita tardia

Fomos muito bem recebidos na Chácara Vista Alegre pela nova geração de produtores de cafés especiais na Chapada Diamantina, o casal Renato Rodrigues e Tainã Bittencourt e seus filhos Benjamin e Sara. 

Renato é diretor comercial da COOPIATÃ (Cooperativa de Cafés Especiais e Agropecuária de Piatã), além de ser um especialista na comercialização de café verde ou grão cru e ter alcançado o posto de 6° melhor café do Brasil no Cup of Excellence da BSCA em 2021.

Segundo as palavras de Antônio Rigno, ” Renato e Tainã são o futuro da cafeicultura na Chapada Diamantina”. E comprovamos isso na aula que Renato Rodrigues nos deu sobre o café na região.

Renato nos apresentou duas visões sobre o tema. A primeira é que o fato de a região ser composta basicamente por produtores de agricultura familiar isso propicia a colheita ser seletiva, manual e a “panha” poder ser realizada quantas vezes forem necessárias. Assim já ocorre a primeira seleção do fruto ainda no pé.

A maturação ideal proporciona o ápice dos atributos no grão, uma vez que, quando a umidade sai do fruto, é nesse momento que os açúcares permanecem na película e trazem mais complexidade à xícara. O microclima frio, seco e de umidade baixa também contribuem, ajudando o café a virar “passa” ainda no cafeeiro.

Um grande ponto de informação conforme Renato citou é que a umidade baixa leva a uma boa estadia do fruto no pé; em contrapartida caso ocorresse uma elevada umidade, a probabilidade seria maior para o desenvolvimento de fungos, o que poderia ocasionar uma fermentação indesejada. 

Uma segunda visão da colheita fora de época é que essa se dá devido à florada ocorrendo mais tardiamente, conforme o sombreamento do cafezal e à própria variedade cultivada.

O descanso pós-colheita é outro ponto de indagação, e eis que o produtor tão jovem quanto sábio, nos diz que seu café permanece por até 60 dias (natural) e de 90 a 120 dias (CD/cereja descascado) nessa etapa. Um tempo fundamental para que a bebida fique “redonda” na xícara, conforme Renato.

Como isso afeta o mercado de café e o consumidor? 

Sobre o diferencial dessa colheita tardia para o mercado consumidor, Renato diz: “Temos como resultado uma bebida com mais complexidade, o que nos dá mais acesso a um mercado competitivo como o de cafés especiais. São cafés geralmente mais densos e que passarão mais tempo ‘vivos’, objetivando passar bem pela entressafra”.

Essa é a opinião também de Eulino, produtor da região cafeeira mais alta em Piatã: Santa Bárbara, situada a 1.400 m de altitude. 

Sr. Liu, como é conhecido, atribui ao microclima, mas também ao solo argiloso que auxilia na umidade do grão e a uma adubação mais “segura”, como os diferenciais dessa localidade.

O experiente produtor nos afirma: “O café na colheita tardia possui um amadurecimento mais lento e maior complexidade, tendo como uma das bases de preço o café das outras regiões produtoras do país que já fora precificado. E esse é um parâmetro importante, não esquecendo que é a bebida na xícara o maior parâmetro quando da negociação do produto com os compradores, sejam eles internos ou externos”.

Os cafés produzidos na Santa Bárbara vão em grande parte para os maiores consumidores per capita de café no planeta, os nórdicos europeus, e também para a Austrália, na Oceania. O Brasil figura apenas como 14° país nesse ranking, apesar de sermos os maiores produtores e exportadores no mundo. 

Eulino, um produtor vivido e comprometido com a cafeicultura salienta que “o consumidor deveria ter mais conhecimento da nossa ‘lida’ na roça, para assim valorizar mais nosso produto”. Palavras de quem há décadas produz café de qualidade com chuva e sol, noite e dia, frio e calor. Os cafés da Santa Bárbara ainda não possuem redes sociais, mas é possível o contato via e-mail: heloisoassuncao@gmail.com e romamattos9@gmail.com.

Como superar os desafios dessa colheita tardia

Conversamos também com Kleumon Moreira, do Café Entre Vales, produzido no Sítio Canaã, um parceiro dos novos empreendimentos da Sílvio Leite Café. Para quem não conhece, Silvio Leite é um personagem de extrema relevância para os cafés da Chapada Diamantina alcançarem o mundo. Agora proprietário da Fazenda Cerca de Pedra São Benedito, Silvio também é head judge e um dos fundadores do Programa de Protocolo do Cup of Excellence. No ano de 2021, na primeira amostra enviada para o Concurso COE, esse já alcançou o 17° posto entre os finalistas.

Foi com Kleumon que conversamos sobre o diferencial da colheita tardia, justamente quando as outras regiões do país estão entrando na entressafra. “Conseguimos uma melhor qualidade do café devido ao maior tempo recebendo os nutrientes do cafeeiro”, explica. 

“Em contrapartida, temos um aumento no nosso custo de produção, em especial a mão de obra, devido ao aumento do número de vezes que as ‘panhadeiras’ devem retornar ao cafeeiro, colhendo apenas os maduros em duas ou até três ‘panhas’ em dias distintos”, diz.

Nos aprofundamos mais no tema e buscamos a compreensão da Single Origin Brazil e o impacto e consequências da colheita fora de época nessa realidade.

Segundo Kleumon, os compradores externos buscam os microlotes para fortalecer a “Single Origin Brazil” e quebrar o paradigma de que os cafés brasileiros são utilizados exclusivamente para blends com cafés de outros países.

Os importadores têm a expectativa de obter os cafés brasileiros entre dezembro e janeiro; porém têm o entendimento de que o café que chegará apenas em fevereiro se deve ao tempo necessário para o alcance da excelência da qualidade.

O jovem produtor complementa: “É fundamental ter o conhecimento da janela de tempo para que nossos cafés não choquem com a chegada de cafés de outras regiões do mundo ao mesmo destino”. 

As palavras de Kleumon nos leva à reflexão de que nossos cafés têm acesso a qualquer lugar do mundo, pois percebemos nessas andanças pelas fazendas produtoras um trabalho árduo e dedicado para que cada vez mais sejamos reconhecidos mundialmente pela qualidade do café aqui produzido.

Kleumon é mais um produtor da nova geração que, junto à sua esposa Diana, seu filho Caio e a mais nova integrante da família, a vindoura Valentina, bebeu da fonte dos pioneiros como Michael Alcântara, do Café Gourmet Piatã, e Antônio Rigno, do Café Rigno, visando agregarem valor e conhecimento aos cafés especiais produzidos nesta região privilegiada da Bahia para o cultivo do nosso apreciado “ouro negro”.

Pudemos ver como a Chapada Diamantina tem se destacado em concursos de qualidade. Os motivos para a excelência dos cafés da região são muitos, mas especialmente envolvem a questão da colheita tardia, que contribui com a manutenção de muitos atributos positivos nas xícaras. Há desafios para a produção, especialmente quanto ao entendimento do mercado sobre o período de disponibilidade desses cafés. Mas não há dúvidas de que há mais vantagens para os produtores da região, que já conquistam inúmeros prêmios e um bom valor agregado em seus cafés.  

Créditos: Acervo Cafeteria Righo Piatã (lavoura) e Augusto Carvalho (pôr do sol nas montanhas, Recanto do Café, Sr. Antônio Rigno na Lavoura, Terreiro Suspenso na Chácara Vista Alegre, Família de Renato Rodrigues e Tainã Bittencourt, Panorâmica de Santa Bárbara, Sr. Eulino no Terreiro, Cafezal na Fazenda Cerca de Pedra São Benedito, Viveiro de Mudas do Sítio Canaã e Kleumon com sua família no Cafezal).

PDG Brasil

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