21 de junho de 2022

Calibrar é preciso: a importância da calibragem para degustadores de café

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No meio de provas profissionais de cafés, que envolvem laudos e avaliações técnicas rigorosas, há profissionais que treinam diariamente para estarem qualificados a exercer essa função. 

A avaliação dessa capacidade se dá por meio do curso e da prova de Q-graders desenvolvidos pela Quality Coffee Institute (CQI) e pela Specialty Coffee Association (SCA). Mas o que acontece depois da certificação do profissional?

De tempos em tempos, para garantir que os profissionais ainda estejam aptos a atuar e que estejam sendo coerentes com o sistema de avaliação mundial, é feita uma reavaliação para renovar a certificação e comprovar que continuam qualificados a seguir provando. Essa prova periódica é chamada de “Calibragem”.

Para descobrir mais sobre o tema, o PDG Brasil conversou com dois profissionais que já atuam no ramo há anos e têm experiências em avaliações, treinamentos e consultorias, além de possuírem certificação da CQI.

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cupping de café

Importância e necessidade

As provas de café têm como intuito gerar laudos de qualidade sobre os cafés. Existem diversos níveis de avaliações para diferentes situações, podendo ser desde uma avaliação para verificação de torra até mesmo uma prova para uma negociação grande. 

Conforme o nível vai subindo, o peso que recai sobre a avaliação aumenta da mesma forma. Profissionais cada vez mais especializados nessa área são necessários, uma vez que compras e vendas são realizadas visando sempre um nível de qualidade predefinido pelo comprador.

Um profissional apto a realizar tal procedimento de forma correta e que esteja de acordo com a indústria é algo fundamental. Por essa razão, existem protocolos mundiais para tal avaliação. Dessa forma, os degustadores conseguem se comunicar de forma coerente e unificada em todo o mundo.

A calibragem se torna então essencial nesse contexto, pois garante que nenhum profissional esteja realizando laudos fora do padrão e cometendo erros que podem prejudicar uma negociação. 

Cecília Sanada, proprietária da Cecília M Sanada Consultoria, que fornece serviços internacionais, possui certificação de Q-arabica grader, Q-assistant instructor, é juíza certificada (COE, BSCA e FairTrade) e possui prêmios como barista. Ela compartilha conosco sobre a sua visão da importância do procedimento.

“A calibragem sensorial é a atualização constante de memórias do olfato e paladar. 

A degustação profissional tem sido a prática de controle de qualidade que determinou tanto o acesso ao mercado quanto o valor de mercado por pelo menos 100 anos. Uma atividade que depende dos sentidos de um indivíduo foi feita o mais objetiva possível, graças à ciência sensorial e alimentar, treinamento e painéis sensoriais de triagem e alinhamento e calibração de padrões.”

Ela explica que existem vários sistemas de classificação para medir a qualidade do café da forma mais objetiva possível. “No entanto, a qualidade continua a ser um termo relativo e complexo. Por isso, como profissionais, temos a necessidade de estar sempre calibrados com o mercado. Trabalhamos com um produto que exige muito da qualidade apresentada, e também muito dinâmico.”

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Riscos e problemas

Conforme o nível de negociação aumenta, os riscos seguem junto, e a possível quantidade de problemas vai para a mesma linha. Portanto, as avaliações são mais rigorosas e realizadas por mais de um profissional qualificado.

Uma avaliação incorreta não somente gera uma negociação ruim, mas também uma quebra de confiança entre ambas as partes, atrapalhando futuros fluxos de negociação e causando possíveis prejuízos econômicos.  

Rodrigo Ésper, proprietário da Damasco Cafés, voltada para consultoria e assessoria em cafés, possui certificação Q-grader e anos de experiência dentro da indústria. Ele nos dá alguns exemplos de onde um profissional descalibrado pode gerar erros. 

“Os riscos são muitos, vou citar alguns: interpretação errada de potencial de qualidade de uma propriedade produtora de cafés, mistura de lotes de cafés com perfis sensoriais distintos, problemas com conferência e embarques de cafés negociados.”

Cecília acrescenta que é preciso considerar as novas tendências do café. “Com o desenvolvimento de novos processos, fermentações, secagem de diferentes tipos, consequentemente novas nuances e diferentes perfis começaram a aparecer nas mesas de prova. Se o provador não estiver calibrado com o que o mercado procura, talvez possa perder uma grande oportunidade de venda, ou dar uma avaliação equivocada a um produtor/processador que está tentando produzir um microlote ou experimento, para concursos e também para comercialização do café.”

Empresas grandes e cooperativas que lidam com quantidades maiores de compra e venda de cafés e possuem um time de profissionais, podem também se deparar com essa situação caso o time esteja descalibrado. Como evitar isso?

Para Cecília, problemas como esse dentro do time podem causar uma bola de neve. “Geram-se muitos malefícios e muitas vezes grandes prejuízos, principalmente se esse profissional descalibrado tiver uma opinião forte sobre os demais. Algumas vezes há provadores que se sentem inseguros em avaliar cafés e acabam indo pela opinião dos outros. Assim, pode não oferecer uma avaliação correta para um café que teria um mercado certo, ou cliente específico.”

Para evitar isso, Rodrigo nos dá um exemplo de como calibrar, junto a outros colegas da área. “A melhor forma é sempre estar provando cafés com outros provadores (calibrados), principalmente em outras empresas, cidades e regiões, e sempre observando os perfis sensoriais que os outros provadores estão gostando mais e também aqueles perfis que não estão gostando tanto.”

Para ele, muitas vezes o foco do problema está na quebra de protocolos e metodologias de provas, fazendo com que a forma de analisar os cafés seja diferente entre os provadores. “E a consequência, na maioria das vezes, é termos interpretações diferentes do mesmo lote de café. É possível conseguir corrigir e evitar essa questão, por meio do próprio exercício de calibragem e cursos.”

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Degrau a degrau

As avaliações não se restringem somente aos Q-grader, há também os profissionais de classificação e degustação que fazem a parte mais volumosa do trabalho, provando todos os lotes de ponta a ponta que chegam na empresa.

Além de profissionais de cafeterias, os baristas são conhecidos como especialistas dos cafés e dominam diversos métodos de preparo.

Tais profissionais possuem importância dentro da indústria e, apesar de não terem provas oficiais para uma calibração, existem outras formas de manterem-se no padrão de avaliação com os demais colegas.

Para Cecília, é importante notarmos os diferentes níveis de conhecimento exigidos e a importância de estarmos olhando para um mesmo “norte” dentro das provas. Ela diz: “É importante entender que realmente temos os mais diversos níveis de provadores em um país produtor, do provador na fazenda, da cooperativa, dos exportadores, torradores e baristas. E cada um com a sua necessidade diferente de acordo com seu interesse comercial, standard (commodity), premium (volumes consistentes e qualidade em escala) e cafés especiais (qualidade, relacionamento, consistência)”. 

“O profissional que caminha entre todos esses mundos é um profissional que precisa estar calibrado com o que cada mercado pede, pois assim sabe separar diferentes tipos de qualidade, com resultados consistentes.”

Devemos lembrar dos baristas, que estão na parte final da cadeia do café e são responsáveis por atender os clientes, explicar para o público sobre os aspectos do café e entender o que ele procura.

Perguntado sobre isso, Rodrigo nos fala que os baristas são profissionais muito importantes para a cadeia do café. “São eles que vão preparar e servir o café ao consumidor final. É muito importante o barista saber e entender o café que está servindo. Além disso, é importante entender o perfil sensorial que seus clientes estão preferindo e procurando mais.”

avaliação de café

A calibragem para degustadores e degustadoras de café

O momento da calibragem pode ser desafiador, mas é uma reafirmação essencial para a realização de um trabalho coerente e padronizado. Pedimos dicas aos nossos entrevistados para ajudar nesse momento importante.

Rodrigo, em tom leve fala para manter a calma e confiar no seu trabalho. “Costumamos dizer que todos os anos o café muda, pois estamos falando de uma empresa a céu aberto, então o café muda, e o consumo muda junto. Estar calibrado nos permite acompanhar essas mudanças.” 

“Indico aos provadores que procurem mais as associações de cafés especiais, busquem provar cafés de regiões diferentes, frequentem mais as cafeterias, aproveitem mais essa evolução dos perfis sensoriais dos cafés.”

E Cecília diz: “A minha dica é usar bastante o formulário para avaliar os cafés. Existem diversos modelos e aplicativos. É uma ferramenta incrível e, quanto mais você usa, mais você se avalia como provador. Observar suas notas, conversar com provadores de outras regiões, torradores, provar todos os cafés possíveis e também provar outros produtos (cerveja, vinho, kombucha, chá, azeite) para estimular sua memória e aumentar o vocabulário sensorial.”

degustação de café

Ao final, estar calibrado e avaliar adequadamente um café, além de um compromisso profissional, é uma questão de ética. O trabalho deve ser bem feito, não somente pelas empresas, mas pelas famílias de produtores que estão envolvidos nesse processo e que se esforçam diariamente para fazer um bom trabalho. 

Vale lembrar que, ao provar aquele café, estamos analisando a dedicação de toda uma safra, que pode ser de apenas uma propriedade, de uma região ou até mesmo de um país. E podemos, por meio de um laudo, ser responsáveis por tornar o cultivo de café rentável e justo para os envolvidos.

Créditos: Beatriz Borges Teixeira (destaque e Rodrigo Ésper); Franciele Biscaro Dias (Cecília Sanada na Golden Cup Brasil e detalhe Golden Cup); Joel Schuler (Cecília Sanada no Q-grader Exam). Rene Porter (cupping final).

PDG Brasil

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