11 de abril de 2022

Como a guerra Rússia-Ucrânia já está afetando o mercado de café no Brasil?

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O conflito entre Rússia e Ucrânia bateu a marca de um mês em março de 2022. Nesse período o mercado de café do Brasil já elenca uma série de consequências desfavoráveis quanto ao cenário internacional de exportação do café nacional que já estão em ação. Mas como a guerra Rússia-Ucrânia está afetando o mercado de café no Brasil?

O cenário atual que o mercado em geral enfrenta acumula a pressão em restaurar os processos logísticos e os rendimentos pré-covid, em adição à imprevisibilidade quanto às consequências em escala global do relacionamento mercantil com a Rússia. O país mantém uma relação substancial de comércio exterior com o Brasil, e é o sexto maior importador do café brasileiro. 

Continue lendo para entender os desafios que o mercado nacional de café já enfrenta na prática em razão do conflito entre Rússia e Ucrânia. 

Você também pode gostar de ler Guia básico de como preparar a lavoura para a colheita.

comércio de café guerra

Cenário geral

A guerra já impactou negativamente diversos segmentos vitais ao fluxo positivo do mercado de café brasileiro como um todo. O timing da declaração de guerra por parte da Rússia contra a Ucrânia (23 de fevereiro de 2022) se deu em um momento no qual o mundo havia apenas começado a reestruturar as operações logísticas e mercantis prejudicadas por mais de dois anos como efeito da pandemia de Covid-19. 

Leia o artigo do PDG Brasil que explica como o mercado de café do Brasil está contornando os desafios de fluxo logístico de cargas marítimas para mais detalhes sobre esse cenário.

Particularmente para o mercado de café brasileiro, tais disrupções agravaram uma conjuntura que já era problemática, decorrente da queda do volume de exportação e de produção, devido a fatores climáticos, como a geada e a crise hídrica em 2021, que impactaram substancialmente a produção atual. 

Em comparação ao ano anterior, em 2021, “o Brasil deixou de exportar cerca de 3 milhões de sacas, e de receber aproximadamente US$ 465 milhões em receita”, declarou em janeiro de 2022 Nicolas Rueda, presidente do Cecafé (Conselho dos Exportadores de Café do Brasil). Para a safra 2021/2022, a previsão global da OIC (Organização |Internacional do Café) é de que o montante geral de café comercializado no mundo sofra um déficit de 3,1 milhões de sacas. Os números da produção brasileira são vitais para a saúde do mercado como um todo, e o mercado nacional está sofrendo uma pressão intensa quanto aos resultados da próxima colheita, de abril a novembro.

Desafios da entressafra: uma questão de perspectiva

O calendário de produção de café nacional se encontra na fase de entressafra, e em ano de bienalidade de ciclo baixo. Além disso, a colheita, no Brasil, se dá entre abril e novembro, o que quer dizer que a esta altura do calendário de produção sempre há poucas sacas disponíveis para embarques.  

Mas, segundo executivos de comércio exterior especializados no mercado de café ouvidos pelo PDG Brasil, a projeção para esta safra é positiva.

O mais recente relatório da Cecafé (Conselho dos Exportadores de Café do Brasil) elenca números que corroboram tal análise: a diminuição de 6% quanto ao volume de sacas embarcadas, em dados comparativos quanto ao volume de exportações entre meses de março de 2021 e 2022, é um resultado esperado para o período, explicou Nicolas Rueda, do Cecafé. “As remessas na temporada 2021/22 são idênticas às registradas nos mesmos nove meses da safra 2019/20, última de ciclo baixo dentro da bienalidade característica do cinturão cafeeiro do Brasil”, argumentou.

No mesmo ínterim, houve um crescimento em receita de 69,3%, um indicador bastante favorável para o segmento cafeeiro.  

Especificamente quanto às exportações de cafés de especialidade e de qualidade superior, como premium e gourmet, os números de receita atingidos quanto ao primeiro trimestre de 2022 cresceu 77,4% em relação ao mesmo período em 2021. O embarque dos cafés deste segmento correspondeu a 20,5% dos embarques totais, com preço médio de US$ 309,02 por saca, com faturamento de US$ 497,8 milhões.

café e guerra

Panorama: o café brasileiro e as exportações para Rússia e Ucrânia

De acordo com dados da Cecafé, na safra passada (2020 a 2021) as vendas do café brasileiro para Rússia e Ucrânia corresponderam a 3,5% do total de exportações do segmento, com uma receita cambial de US$ 209 milhões.

Quanto às exportações de café solúvel, a Rússia é o segundo maior país comprador do produto feito no Brasil, e a Ucrânia, o sétimo. Em 2021, o índice de importação dos dois países no segmento foi de 14%, correspondente ao valor de US$ 69 milhões em receita. 

Em março, os números de exportação de café solúvel para a Rússia caíram 79,5% e para a Ucrânia 94%, segundo dados levantados pela ABICS. “O impacto é grande”, diz Aguinaldo José de Lima, diretor de Relações Institucionais da ABICS (Associação Brasileira da Indústria de Café Solúvel). Pois as exportações de café solúvel brasileiro para ambos os países representou 13,2% das vendas totais do segmento em 2020.

A especulação quanto à invasão no primeiro bimestre de 2022 gerou a elevação dos preços, e a Rússia, em março, aumentou o índice de importação de café (assim como os de soja e açúcar), mas tratou-se de uma medida extraordinária para tentar garantir preços e estoques para os meses seguintes. 

guerra na rússia e exportação de café

Entenda os aspectos que já estão afetando o café no Brasil

Acompanhe a seguir alguns aspectos que já impactaram o mercado de café no Brasil desde o início da guerra.

Problemática 1: logísticas de exportação via Brasil

Entre março e abril, empresas ocidentais de armadoria de logística marítima anunciaram a cessação das operações em terminais portuários russos. Os negócios entre Brasil e Rússia, apesar de não sofrerem embargos, estão tecnicamente paralisados. Para o segmento de exportação de café do Brasil, o bloqueio das rotas marítimas é o empecilho logístico derivado da guerra. Para a Ucrânia, a paralisação é total quanto à distribuição e o consumo.

“É impossível mandar containers neste momento para a Rússia”, conta Aguinaldo.   

Bruna Martinelli Rauscher, gerente e trader da Rauscher Commodities, conta que não existe nenhuma pressão da União Europeia, dos Estados Unidos ou da Ucrânia para bloquear as vendas de commodities à Rússia. “Entretanto, como os armadores cancelaram as rotas para a Rússia, não adianta conseguir receber os pagamentos se não é possível enviar as mercadorias”, explica.

Bruna conta que, desde o início da guerra, sua empresa não fechou mais contratos futuros com a Rússia, “por precaução”. Ela conta que seus clientes na Rússia lhe garantiram que a viabilidade das operações financeiras está funcional, assim como as redes de comunicação, como e-mail, Whatsapp e etc. “Não se aplicam medidas restritivas à exportação de alimentos, commodities de subsistência, nem durante guerras”, explica Bruna. 

A Rauscher e outras empresas do ramo estão em processo de viabilizar um redirecionamento de rotas de entrega, com o envio marítimo direcionado para portos de países vizinhos como Geórgia e Eslovênia. De lá, as mercadorias seriam transportadas à Rússia em caminhões, mas essas possibilidades ainda estão sendo estudadas.

café ecológico

Problemática 2: aumento dos preços de insumos agrícolas

É substancial a parcela de adubos e fertilizantes essenciais às lavouras de café nacionais proveniente da Rússia, Ucrânia e da Bielarrússia, três dos principais fornecedores dos insumos agrícolas demandados especificamente para garantir a saúde das plantações.

Entre os adubos aplicados aos cafezais majoritariamente importados pelo Brasil, estão o nitrato de amônio, com importação exclusivamente oriunda da Rússia, além de macronutrientes potássicos, cuja taxa de importações feitas tanto da Rússia quanto de Bielorússia corresponde a 20%, segundo dados do IPA (Instituto Pensar Agropecuária).

Com a retirada das operações em terminais portuários, o volume de oferta global de insumos agrícolas diminuiu drasticamente. A China, o exportador líder do segmento, anunciou em março medidas protecionistas adicionais (por conta da pandemia covid-19) da paralisação das transações internacionais dos produtos, a fim de controlar as taxas de inflação interna e salvaguardar a segurança alimentar de uma população de cerca de 1,4 bilhões de pessoas. A medida foi um fator agravante ao cenário geral de preços e oferta.

Os insumos e a pós-safra de café 2022

A época em que os cafezais brasileiros aplicam os principais fertilizantes importados se dá a partir de setembro e outubro, aproximadamente, com o fim da fase de colheita. Em regra, a essa altura do ano os produtores já garantiram os estoques necessários para tal. 

Como a oferta dos insumos diminui a cada dia, a instabilidade de fornecimento global acarreta em maior demanda dos compradores em garantir estoques futuros, o que acarretou o aumento dos preços. Consequentemente, os produtores de café que necessitarem comprar adubos e fertilizantes importados neste momento estão fadados a desembolsar um valor 200% maior do que habitualmente.

exportação de café e guerra

Problemática 3: suspensão de pagamentos em sistema internacional

A exclusão da Rússia do sistema Swift (Sociedade de Telecomunicações Financeiras Mundial), o principal quanto à condução de transações financeiras internacionais, por via de sanções aplicadas pelas economias líderes do mercado global, comprometeu o fluxo de operações financeiras realizadas entre Brasil e Rússia. 

A questão do Swift já implica diretamente as operações de faturamento que estavam em andamento entre Brasil e Rússia em relação à exportação de café. A faceta mais preocupante desse cenário é o atual índice de não-recebimento de pagamentos de cafés já embarcados em 2022. Aguinaldo conta que o mercado já enfrenta, em grande escala, dificuldades de liquidação de pagamentos. A ABICS, por exemplo, reportou pausa em pagamentos referentes a transações financeiras de café solúvel entre os dois países. 

café e conflito rússia ucrânia

O Brasil é suficientemente maduro e preparado para ativar planos de contingência que garantam o ponto de equilíbrio do mercado de café. Apesar da perspectiva atual implicar em um estado de alerta, a natureza do mercado de café é volátil, e sempre contempla fatores disruptivos.

“A guerra em si realmente eu não vejo muito influenciar na queda de preço do café na bolsa”, diz André Peres, trader da empresa de comércio exterior ACS, baseada no Porto de Santos. Ele avalia terem sido dentro da normalidade as flutuações das cotações desde o início do conflito. 

Para ele, a problemática maior é a questão da retirada operacional dos armadores dos portos russos. Entretanto, com as aberturas de novas rotas, em processo de viabilização pelos exportadores brasileiros, a situação mostra sinais de ser contornada em breve.

Também já estão em andamento as ações de transferência de demanda do café brasileiro a países vizinhos à Ucrânia, segundo reporta o escritório de inteligência de mercado Hedge Fund, o que garante a prevenção de destruição da procura. 

Tais aspectos, quando colocados em perspectiva quanto à expectativa produtiva da safra 2022, não representam, neste momento, segundo os especialistas, uma projeção onerosa à saúde do mercado de café brasileiro em um futuro próximo. 

Créditos: Divulgação Ministério da Infraestrutura (Porto de Santos, SP, e Porto de Vitória, ES); Dapiki Moto (xícara cappuccino); Divulgação Fazenda Baobá (lavoura de café); Athanasios Papazacharias (navio Medlog); Annie Spratt (moka).

PDG Brasil

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