3 de maio de 2023

Uma análise sobre o crescimento global do consumo de cafés especiais

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De acordo com a Organização Internacional do Café, o consumo global de café atingiu os 170 milhões de sacas de 60 kg na safra 2021/22. Esta é uma evidência clara de que o mercado global de café está se expandindo assim como de que o consumo de cafés especiais igualmente cresce de forma acelerada.

Além disso, A Associação Nacional do Café dos EUA publicou no relatório NCDT – National Coffee Data Trends a descoberta de que o consumo de café especial nos EUA em 2022 foi o mais alto já registrado.

Isso levanta uma questão importante: o mercado de cafés especiais está crescendo a um ritmo mais rápido do que a indústria global de café? Ou seu crescimento é esperado, dado que o consumo mais amplo está aumentando?

Para saber mais, conversei com Daniel Velásquez Restrepo e Judith Ganes. Continue lendo para obter informações sobre o crescimento do setor de cafés especiais.

Você também pode gostar do nosso artigo sobre se as marcas de cafés especiais estão se tornando cada vez mais semelhantes.

Torrefador recolhendo grãos recém-torrados do equipamento

O escopo do setor global de cafés especiais

Antes de discutirmos seu valor, devemos primeiro entender o tamanho do mercado global de cafés especiais em proporção ao setor global de cafés.

Daniel Velásquez Restrepo é o Diretor de Operações da Amativo  Colômbia, uma trader de café verde na Colômbia. Ele diz que, apesar do que pode parecer um recente crescimento explosivo, o mercado de cafés especiais ainda é comparativamente pequeno.

“Devido a seu marketing de alta qualidade, às vezes podemos superestimar o tamanho do mercado global de cafés especiais”, diz ele. “Mas isso não quer dizer que o mercado não esteja crescendo.”

De acordo com Judith Ganes, presidente da empresa especializada em análise de commodities J. Ganes Consulting, o aumento do consumo global de café especial ajudou o mercado global de café a crescer, em grande parte devido a um melhor marketing.

“No entanto, o café de qualidade especial ainda representa apenas uma pequena porcentagem do volume total de café produzido em todo o mundo, com alguns consumidores desconhecendo o que ‘especial’ realmente significa”, acrescenta.

Para que o café seja classificado como especial, ele deve pontuar mais de 80 pontos na escala de 100 pontos da Specialty Coffee Association. 

No entanto, ao lado disso, uma série de outros fatores passaram a ser “associados” ao café especial e estão se tornando cada vez mais proeminentes. Isso inclui mais foco na transparência e rastreabilidade na cadeia de suprimentos.

Judith, no entanto, explica que alguns consumidores podem usar os termos “gourmet” e “especial” de forma intercambiável – criando confusão em torno de definições mais formais. “Você pode ter uma bebida de café ‘gourmet’, mas nem sempre pode conter café de qualidade especial”, ela me diz. “Além disso, o consumidor também pode pagar um preço premium pela bebida.”

Sacas de café - o crescimento do consumo de cafés especiais

O Crescimento nos países de maior consumo de cafés especiais

Apesar de sua menor participação no mercado, é inegável que o setor global de cafés especiais está crescendo.

“Em termos de números, a taxa de crescimento do mercado de cafés especiais é mais rápida do que o crescimento do café de qualidade”, diz Daniel. “No entanto, em termos de participação de mercado, esse nível mais rápido de crescimento não é comparável aos grandes volumes de exportações de café de commodities, que representam cerca de 90% das exportações da Colômbia, por exemplo.”

De acordo com a Euromonitor, o valor total das vendas globais de café no varejo foi de US$ 180 bilhões em 2019, e as vendas devem crescer mais de US$ 12,5 bilhões até 2023. 

Como parte disso, uma pesquisa da Euromonitor sugere que 52% desse crescimento é atribuído à premiunização.

Este é o processo pelo qual os torrefadores vendem café mais exclusivo, raro e de qualidade superior para impulsionar o apelo da marca e aumentar os preços. Isso adiciona um maior senso de valor para o comprador e, em última análise, torna-o mais disposto a pagar preços mais altos.

Esse tipo de crescimento geralmente ocorre em mercados mais maduros – como Europa Ocidental, EUA, Austrália e Ásia Oriental. Daniel acredita que isso levou cada vez mais torrefadores nesses mercados a começar a comprar café de qualidade especial.

América do Norte

Ainda de acordo com o NCDT, descobriu-se que aproximadamente 60% da população dos EUA bebe café todos os dias – o nível mais alto em 20 anos.

O relatório também descobriu que o consumo de café especial atingiu um máximo de cinco anos. Cerca de 43% dos entrevistados relataram ter bebido uma bebida de café especial no dia anterior, representando um aumento de 20% em relação a janeiro de 2021.

Além disso, de acordo com o The Brainy Insights, o mercado norte-americano de cafés especiais deverá crescer 20% ao ano até 2030, o que o tornaria o mercado de crescimento mais rápido do mundo.

Europa

A Europa atualmente tem a maior participação no mercado global de cafés especiais, em torno de 46,2%, e ela deve crescer 9% até 2026. Em particular, o mercado de café escandinavo merece destaque, já que os consumidores em países da região estão dispostos a pagar mais por café de alta qualidade.

De acordo com o CBI, juntamente com a América do Norte, a Europa é o maior e mais importante mercado para  cafés especiais. Isso se deve ao número cada vez maior de torrefadoras e cafeterias especializadas em todo o continente, ajudando a melhorar a educação e o conhecimento do consumidor.

Ásia-Pacífico

Estima-se que a região da Ásia-Pacífico seja o mercado de cafés especiais que mais cresce no mundo. De acordo com a Research and Markets, o setor de cafés especiais da região experimentará uma taxa de crescimento anual de 15,3% a partir de agora até 2030.

A premiunização é um fator significativo desse crescimento, particularmente em alguns países do Leste Asiático, como China, Japão e Taiwan, com base em pesquisas da Specialty Coffee Association.

Na China, em particular,  aumentos explosivos na renda média nas maiores cidades do país significam que mais pessoas estão bebendo café especial – especialmente as gerações mais jovens. Enquanto isso, seguindo a União Europeia e os EUA, o Japão é o terceiro maior destino de importação de café do mundo, de acordo com estatísticas da OIC.

Além disso, o setor de café fora de casa do país está crescendo, com 86% dos gastos do consumidor atribuídos a cafeterias, restaurantes e outras empresas de hospitalidade.

Plantas de café com frutos amarelos

E quanto ao crescimento no consumo de cafés especiais nos países produtores?

Na maior parte, quando comparado aos países consumidores, o consumo de café especial é globalmente menor nos países produtores. 

Isso se deve em parte à estrutura histórica do sistema global de comércio de café. Ao longo dos anos 1600 e 1700, as potências coloniais europeias exportavam café para os países consumidores. À medida que o café se tornou mais acessível ao longo dos anos, o marketing no café (impulsionado pela maioria dos países consumidores no Norte Global) tornou-se muito mais focado no consumidor. Isso levou a um aumento acentuado no consumo ao longo do século 20.

No entanto, nos últimos anos, iniciativas direcionadas e orientadas por políticas e uma classe média crescente impulsionaram o consumo doméstico em vários países produtores importantes. “Nas grandes cidades com economias mais fortes, o crescimento do setor de cafés especiais é semelhante aos mercados nos países consumidores”, diz Judith. “Mas em áreas mais rurais, há significativamente menor crescimento.”

Brasil

O Brasil é o maior produtor e exportador mundial de café. No entanto, ao mesmo tempo, o consumo interno também está aumentando no país. Segundo pesquisa da SCA, cerca de 98% dos domicílios brasileiros consomem café, e o crescimento tem sido constante e consistente desde 2008.

Este foi, na maioria, o resultado do Programa de Qualidade do Café, lançado em 2004 pela Associação Brasileira da Indústria do Café (ABIC). O objetivo geral da iniciativa era melhorar o acesso dos consumidores aos sistemas de verificação da qualidade do café. O programa incluiu quatro classificações de qualidade, incluindo “Gourmet”, “Superior”, “Tradicional” e “Extra forte”.

Como parte disso, o interesse e o consumo de cafés especiais têm crescido. A participação no mercado de cafés especiais do Brasil dobrou entre 2016 e 2018, de 6% para 12%.  O consumo de café também aumentou significativamente de 2018 para 2019, bem como o consumo fora de casa – na maioria impulsionado pelo aumento da renda disponível.

Colômbia

Outro país produtor notável onde o consumo também está crescendo é a Colômbia. Os resultados da SCA indicam que o consumo doméstico de café aumentou em até 3% nos últimos anos. Ao mesmo tempo, marcas e rótulos icônicos como Juan Valdez e café 100% colombiano também se concentraram no mercado interno da Colômbia.

O relatório da SCA também descobriu que o café especial representa entre 3% e 5% do consumo total de café do país – indicando um crescimento constante. No mais, em 2018, o valor estimado do mercado local de cafés especiais foi de cerca de US$ 1,52 bilhão.

Além disso, mais marcas de cafés especiais e baristas de competição começaram a surgir em todo o país nos últimos anos. Por exemplo, no Campeonato Mundial de Baristas de 2021 (WBC), Diego Campos se tornou o primeiro colombiano a vencer a competição.

América Central

Em comparação com as principais origens do café na América Latina, como Colômbia e Brasil, o consumo de café está crescendo em geral a um ritmo mais lento na América Central. No México, por exemplo, o consumo de café tem aumentado constantemente nos últimos anos.

Uma pesquisa da Euromonitor e da Associação Nacional Mexicana da Indústria do Café (ANICAFE) estima que, entre 2016 e 2019, o consumo anual aumentou de 2,8 milhões de sacas de 60 kg para 3,2 milhões – com os produtos de café torrado e moído se tornando mais populares.

África

Embora os métodos tradicionais de consumo de café sejam populares em vários países da África, o consumo doméstico permanece comparativamente baixo nos países produtores de café africanos.

No entanto, o consumo de café está aumentando em alguns países. Em Uganda, por exemplo, o consumo doméstico aumentou 2,4% entre 2018 e 2021, de acordo com estatísticas da OIC. 

Paralelamente, as gerações mais jovens também estão mostrando crescente interesse em cafés especiais, e cafeterias estão começando a abrir em algumas cidades maiores.

Paralelamente, mais e mais competições de café estão começando a ser realizadas na África, e a representação está começando a melhorar no cenário global. Por exemplo, no WBC de 2021, o barista queniano Martin Shabaya se tornou o primeiro participante africano a chegar à final em mais de 20 anos.

Bancada de trabalho de um barista, que está servindo um café coado

O futuro

Então, com o consumo de café especial crescendo explosivamente e indicações de que o consumo mais amplo está aumentando, temos uma pergunta importante a fazer: o café especial está crescendo mais rápido do que a indústria de café em geral?

A OIC previu que, até 2022, o consumo global de café aumentaria 3,3%, para 170,3 milhões de sacas de 60 kg – indicando que o mercado global de café certamente está crescendo. Recentemente, a organização reduziu sua  previsão de  crescimento do consumo para 1% a 2% até  2030 – o que, no entanto, ainda representa um crescimento constante.

O Brainy Insights, por sua vez, estima que o valor do ​setor global de cafés especiais deve chegar a US$ 152,69 bilhões até 2030​​, representando uma taxa de crescimento de 12,32% durante o período de previsão.

No entanto, Daniel enfatiza que também precisamos lembrar na pequena escala comparativa do café especial.

“Os preços mais altos refletem os valores do café especial, mas podem limitar o crescimento geral”, diz ele. 

Judith diz que, para que o crescimento do mercado global de cafés especiais aumente significativamente, mais agricultores precisam produzir café de alta qualidade.  “É preciso haver um número suficiente de agricultores capazes de cultivar café de qualidade especial”, explica ela. “Os consumidores também precisam estar dispostos a pagar preços mais altos por esse café.”

Em busca de um crescimento sustentável

Daniel enfatiza que o crescimento do setor de cafés especiais precisa ser sustentável, com mais foco na acessibilidade – o que poderia ajudar a promover níveis mais significativos de crescimento.

“Deve haver menos foco em pagar preços muito altos, como leilões, produzir micro lotes exclusivos e promover fazendas mais estabelecidas”, diz ele. “Em vez disso, mais esforços devem ser feitos para apoiar projetos que capacitem as comunidades produtoras de café, bem como o cultivo de café usando práticas agrícolas mais sustentáveis.

“Em geral, torrefadores e comerciantes podem criar um impacto mais positivo comprando volumes maiores de café de boa qualidade a um preço razoável, em vez de comprar volumes menores, como micro lotes, a preços muito altos de uma única fazenda”, acrescenta.

No entanto, Daniel explica que o crescimento da indústria de cafés especiais certamente desempenha um papel para o crescimento do mercado global de café. E se a qualidade geral do café aumentar, poderemos ver mais e mais consumidores começarem a beber café especial – potencialmente aumentando os preços que os agricultores recebem.

provador de cafés se preparando para avaliar uma amostra

É evidente que, em muitos países ao redor do mundo, o consumo de cafés especiais está aumentando – com um crescimento significativo em algumas regiões.

No entanto, também é importante reconhecer que o setor de cafés especiais representa apenas uma pequena porcentagem da participação de mercado geral, o que significa que ainda é uma indústria de nicho.

Em última análise, enquanto os consumidores estiverem dispostos a pagar preços mais altos por café de alta qualidade, a demanda por cafés especiais continuará a aumentar – mas ainda não se sabe se o crescimento superará o consumo geral de café.

Gostou? Então leia nosso artigo sobre se cafés especiais estão se tornando mais comuns nos aeroportos.

PDG Brasil

Traduzido por Daniela Melfi

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