22 de março de 2023

Resolvendo problemas ambientais na cafeicultura

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O café é uma das commodities mais comercializadas no mundo, o que significa que é produzido e exportado em grande escala global. Naturalmente, a produção agrícola desse porte pode, por vezes, resultar no surgimento de problemas ambientais.

Muitas vezes, isso acontece devido a ligações com a desmatamento e a má gestão das explorações agrícolas, por exemplo. No entanto, à medida que a demanda por café sustentável aumenta, mais e mais esforços vêm sendo feitos para apoiar os cafeicultores na redução do impacto ambiental de sua produção.

Além disso, como o impacto das mudanças climáticas continua a ameaçar o futuro do setor cafeeiro, esses esforços sustentáveis são agora mais importantes do que nunca. Para descobrir como podemos reconhecer e começar a resolver problemas ambientais na produção de café, falei com três especialistas.

Você também pode gostar do nosso artigo sobre produção de café ambientalmente sustentável e rentabilidade.

trabalhadores derrubando uma árvolre

As questões ambientais associadas à produção de café

Em primeiro lugar, deve-se notar que a maioria das questões ambientais na produção de café são um resultado da agricultura em grande escala. 

Embora se estime que os pequenos agricultores produzam até 80% da oferta mundial de café, a maioria deles só cultiva em áreas de até 30 ha. Isso significa que seus rastros de carbono são mínimos em comparação com fazendas de café maiores e empresas multinacionais de café.

Em última análise, isso significa que a contabilização das questões ambientais é, em grande parte, da responsabilidade dessas empresas – e não dos produtores. E embora haja um número crescente de programas sustentáveis sendo implementados, isso não significa que não haja algumas questões ambientais decorrentes da produção.

Steffen Sauer é o fundador da Ulinzi Africa Foundation, uma organização sem fins lucrativos que trabalha com guardas florestais na África Oriental para proteger a vida selvagem local. Segundo ele, a conservação e a proteção ambiental são problemas da indústria cafeeira, mas não exclusivos do setor. “Estas são questões em todas as principais indústrias agrícolas de grande escala devido às economias de escala.”, ele diz.

Emissões de carbono e outras questões ambientais na cafeicultura

Um estudo de 2021 da University College London descobriu que, após a exportação de café, a produção foi responsável pelo segundo maior volume total de emissões de carbono em toda a cadeia de suprimentos.

Isso ocorre porque, em muitos casos, o transporte de café depende de combustíveis fósseis, já que o café é geralmente enviado para países consumidores em grandes navios cargueiros.

No entanto, para além das emissões, temos também de considerar outras questões ambientais. Por exemplo, o uso incorreto de produtos químicos e insumos agrícolas. Se aplicados incorretamente, esses itens podem causar sérios danos ao meio ambiente e à vida selvagem ao redor. 

O uso excessivo desses produtos químicos pode levar a um declínio na saúde do solo, e à contaminação das águas subterrâneas com excesso de nutrientes – particularmente nitrogênio e fósforo. Em última análise, isso pode matar animais, insetos, peixes e pássaros.

O desmatamento também é outro problema para a agricultura em larga escala, pois leva a uma perda significativa de habitat para a vida selvagem local e pode acelerar a desertificação de terras aráveis. “A conservação não se trata apenas de proteger os animais, mas também seus habitats”, acrescenta Steffen. “Há muitas sinergias entre conservação e café; elas estão interligadas.”

O impacto do desmatamento

Em todo o mundo – incluindo nas principais regiões produtoras de café – estima-se que uma média de 13 milhões de hectares de floresta sejam perdidos por ano. Isso não apenas destrói habitats para animais, insetos e pássaros, mas também significa haver menos árvores para sequestrar carbono.

Isto é especialmente preocupante, pois os especialistas já estão prevendo que, se as emissões de carbono permanecerem como são agora, até 2050, metade de todas as terras de arábica globais poderiam passar a ser inadequadas.

Cafés processados em via úmida

E o processamento do café?

O processamento é uma parte fundamental do preparo para exportação, além de afetar diretamente a qualidade. Os dois principais métodos são o lavado e o natural.

Ritesh Doshi é o CEO da Spring Valley Coffee no Quênia. Ele explica as diferenças entre os dois em questões ambientais. “O café lavado pode ser mais fácil de vender globalmente, mas ele usa significativamente mais água do que o natural, que resulta em quase nenhuma água residual”.

Novamente, é importante notar que, em comparação com a agricultura de grande escala, os pequenos agricultores são responsáveis por uma quantidade significativamente menor de subprodutos nocivos e, caso haja, um pequeno volume de águas residuais. 

O processamento natural é indiscutivelmente a técnica de processamento mais ecológica, pois é menos intensiva em energia e requer pouca ou nenhuma água. Isso ocorre por as cerejas serem colhidas e, em seguida, deixadas para secar totalmente intactas em pátios ou terreiros suspensos.  

Por conta de seu elevado uso de água, o café lavado acaba sendo visto como menos sustentável. Nele, as cerejas são submersas em tanques de água antes de serem despolpadas.

A questão das águas residuais

Embora o processamento lavado possa resultar em um café de sabor mais limpo, ele também produz volumes maiores de águas residuais do que o processamento natural.

No entanto, mesmo que um pequeno produtor esteja exclusivamente a realizar o processamento lavado, é improvável que, por si só, cause uma quantidade significativa de danos ao ambiente.

Jesse Winters é o fundador da Conservation Coffee, que fornece café cultivado à sombra de fazendas orgânicas. Segundo ele, se as águas residuais não forem gerenciadas corretamente, elas podem poluir rios, riachos e lagos, aumentando a carga biológica. “Isso pode ser devastador para a vida selvagem marinha e de água doce”, ele diz.

Uma alta carga biológica pode levar faz com que fitoplanctons, como algas, cresçam nos leitos aquáticos. Isso impede o oxigênio e a luz solar de alcançarem o fundo dos rios, matando peixes e outros animais selvagens.

A polpa é outro subproduto do processamento do café a ser considerado, não importa qual método seja usado. Assim como as águas residuais, se não forem descartadas de forma inadequada, ela também pode poluir os sistemas de terra e água.

Trabalhador colhendo café - questões ambientais na cafeicultura

Problemas ambientais ao longo da cadeia produtiva do café

Embora os produtores de café possam ser incentivados a utilizar mais fertilizantes orgânicos ou a gerir os resíduos de uma forma mais sustentável, os esforços ambientais na indústria cafeeira têm de ir muito mais longe.

É óbvio que todos os intervenientes na cadeia de abastecimento têm de assumir mais responsabilidades na redução do impacto ambiental da indústria do café. Temos de reconhecer que, para além da produção e da exportação, existem outras áreas da cadeia igualmente responsáveis por questões ambientais.

A torrefação pode produzir emissões de gases de efeito estufa, como dióxido e monóxido de carbono. Enquanto alguns torradores modernos agora incluem sistemas de reciclagem de ar embutidos, modelos mais antigos normalmente emitem esses gases para a atmosfera.

Além disso, o volume de resíduos produzidos por cafeterias é uma grande preocupação para muitas pessoas. Pode ser difícil ou impossível reciclar copos de café descartáveis, e muitos acabam sendo enviados para aterros. Lá, em condições anaeróbicas, pode levar centenas de anos para que eles se decomponham.

Quando a qualidade também passa por questões ambientais

Steffen acredita que parte da responsabilidade de reduzir o impacto ambiental é dos consumidores. De acordo com ele, os consumidores precisam exigir mais qualidade e estar dispostos a pagar por ela. “Eles devem pagar pela qualidade que querem ter e comprar cafés que não causem nenhum dano ao meio ambiente”, ele diz.

“As decisões individuais desempenham um papel importante”, acrescenta. “Por exemplo, os consumidores podem pressionar as empresas maiores para estarem mais atentas ao meio ambiente.”

Nos últimos anos, muitas empresas de café maiores se comprometeram a compensar suas emissões e reduzir seu impacto ambiental, incluindo a Starbucks e a Nespresso. No entanto, é evidente que mais trabalho precisa ser feito – especialmente quando essas empresas ainda contribuem significativamente para a quantidade de resíduos produzidos.

Ritesh concorda, dizendo: “Precisamos que as pessoas nas empresas maiores agreguem mais valor – os agricultores também precisam adicionar pressão a essas empresas.”

Outras partes interessadas importantes da indústria também precisam desempenhar um papel, uma vez que a legislação e as políticas podem ajudar a reforçar os esforços de conservação na produção de café.

Por exemplo, a União Europeia aplicou recentemente novas regras obrigatórias de diligência aos exportadores e comerciantes para deixarem, gradualmente, de adquirir café que esteja ligado ao desmatamento na origem. “A legislação governamental pode ajudar, mas a mudança precisa ser liderada por empresas e consumidores com visão de futuro”, diz Ritesh.

Trabalhadores da produção de café

Considerando as soluções para os problemas ambientais

Alguns agricultores estão mudando para práticas agrícolas mais ecológicas, como a agricultura sintrópica e a agrofloresta.

Já se sabe que o cultivo sombreado pode resultar em cafés de alta qualidade em todos os aspectos, além de promover a biodiversidade. Isso também pode fornecer aos agricultores métodos naturais de controle de pragas, pois pássaros e pequenos animais podem comer insetos que interferem nas plantas de café.

Além disso, o aumento do número de plantas de café cultivadas à sombra resulta em menos desmatamento, sequestra mais dióxido de carbono e geralmente requer menos uso de insumos químicos, como fertilizantes.

Ritesh diz que a Spring Valley é parceira de um programa de conservação. Ele diz que para cada saco de café vendido, 50% do lucro bruto é doado para o programa. “Trabalhamos com a Seedballs Kenya”, explica. “Usando esse dinheiro, plantamos cinco mudas de árvores nativas em uma área da qual obtemos.”

Quanto aos métodos de processamento, técnicas de gerenciamento adequadas podem ajudar a reciclar ou reutilizar águas residuais e polpa descartada. Quando tratada corretamente, as águas residuais podem ser usadas para irrigação ou retornarem a fontes naturais de água. Da mesma forma, quando, a polpa de café pode ser reaproveitada como biocombustível ou fertilizante orgânico.

As questões financeiras

No entanto, para muitos produtores (principalmente os pequenos), essas mudanças podem exigir um investimento significativo, com prazo de retorno incerto. Por exemplo, embora a agricultura orgânica possa ser mais sustentável, também pode resultar em rendimentos menores.

As maiores empresas de café também têm um papel importante a desempenhar na redução do impacto ambiental. Entre algumas delas, conceitos como compensação de carbono e Carbono Circular vêm tendo destaque.

Carbono circular é o processo de organizações que reduzem as emissões líquidas de carbono dentro de suas próprias cadeias de suprimentos. Já a compensação é quando adquirem créditos de carbono para equilibrar suas emissões, muitas vezes olhando além de seus fornecedores ou mesmo para outros setores para fazê-lo.

Além disso, embora a sustentabilidade ambiental em nível agrícola seja certamente necessária, também é importante destacar o papel das certificações. Elas são comuns na indústria do café, especialmente aquelas que exigem que as empresas de café implementem práticas mais sustentáveis. Por exemplo, as certificações orgânicas têm regulamentos rigorosos para os agricultores – principalmente no que diz respeito à ausência de insumos químicos.

Questões envolvendo certificações

No entanto, Jesse enfatiza que os consumidores precisam prestar atenção ao que as certificações realmente significam. “Os consumidores devem comprar café de empresas que passaram por muitos controles para receber suas certificações”, diz.

Muitos pequenos produtores podem já estar realizando práticas orgânicas em suas fazendas de café. No entanto, como a obtenção de certificações pode ser cara, alguns agricultores podem não conseguir se candidatar – o que significa que estão retendo menos valor.

Em última análise, Ritesh acredita que o impulso para a conservação ambiental na produção de café se resume a saber se os clientes estão dispostos a pagar mais. “Usar sacos compostáveis, produzir café cultivado à sombra ou implementar práticas agrícolas orgânicas custa mais dinheiro – o cliente final precisa estar disposto a pagar por isso”, conclui.

Fazendeiro observa plantação deteriorada por problemas ambientais

Embora mudanças sustentáveis tenham sido feitas nos últimos anos, é claro que mais legislação, investimento e conscientização são necessários para resolver algumas das questões ambientais relacionadas à produção de café. Também não podemos ignorar as implicações financeiras de fazer essas mudanças no nível da fazenda – especialmente no que diz respeito aos pequenos agricultores.

Em última análise, há sinais de que as coisas continuarão a melhorar, mas com a pressão crescente da ameaça das alterações climáticas, uma coisa é clara: a necessidade de mais mudanças substanciais está certamente aumentando. 

Gostou? Em seguida, experimente nosso artigo sobre se a qualidade do café e a sustentabilidade ambiental andam de mãos dadas.

Créditos das fotos: Peter Gakuoh, Mauhobaah Butt

PDG Brasil

Traduzido por Daniela Melfi

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